O Nevoeiro e 5 coisas que ele te convida a pensar

Sabryna Rosa
10 min readAug 27, 2017

Baseada no conto de Stephen King a recente série da Netflix traz grandes (e boas) discussões

Adaptação do conto de Stephen King (confira a resenha aqui), O Nevoeiro chegou na Netflix Brasil com todos os episódios no dia 25 de agosto e eu de cara achei interessantíssima. Não sou nenhuma especialista em televisão/cinema, mas de vez em quando gosto de fazer alguns comentários sobre programas aos quais assisto e a mensagem que captei deles. Em geral as opiniões são diferentes da maioria do pessoal, às vezes até completamente contrárias, e parece que não foi diferente com essa aqui. Mas fazer o quê se eu já era diferentona antes de virar modinha?

Lembrando que esse texto comenta trechos detalhados, então se você ainda não assistiu é melhor parar por aqui porque spoiler é o que não falta — a menos que não se importe, é claro.

O que diz a sinopse da Netflix:
A família Copeland é separada quando uma estranha névoa isola sua cidadezinha do mundo exterior. E pior: a neblina abriga criaturas mortais.

A família Copeland é composta por David, o pai, interpretado por Morgan Spector (Dança das Cadeiras, O Último Mestre do Ar), Eve, a mãe, vivida por Alyssa Sutherland (Vikings, O Diabo Veste Prada), e Alex, a filha, interpretada por Gus Birney (Darcy, Bloody Mary). Eles vivem em uma cidadezinha pacata e são uma família normal com seus problemas de famílias normais. A mãe, superprotetora, é responsável por colocar rédeas na filha enquanto o pai, super amável, é o queridinho da adolescente.

Antes que o nevoeiro chegue Alex é convidada por Jay (Luke Cosgrove) para ir à uma festa, mas recebe um sonoro não da mãe antes mesmo que possa aceitar o convite. Na madrugada o pai diz que ela pode ir, se acompanhada de Adrian (Russell Posner), seu melhor amigo, voltar antes da meia-noite e não beber.

Qualquer pessoa com mais de 10 anos de idade sabe que quando a mãe diz para não ir é melhor não ir mesmo porque vai acontecer alguma coisa, né? Pois é. Alex fica bêbada e sofre abuso sexual naquela noite. Adrian, testemunha ocular, acusa Jay pelo ocorrido.

Alex e os pais vão à polícia e precisam lidar com o fato de que o delegado, Connor Heisel (Darren Pettie), é o pai de Jay, um cara durão e machista que desacredita firmemente de que o filho playboy seja culpado.

Em meio à crise familiar que se instala na família, Eve decide sair da cidade com Alex enquanto David fica responsável por acompanhar o processo na delegacia. E é aí que o nevoeiro chega. Enquanto Alex e a mãe resolvem passar no shopping antes de viajar e David está no departamento de polícia para dar queixa de uns moleques que quebraram a vidraça da sua casa em protesto à acusação de Jay. Nesse mesmo local estão Adrian, pronto para dar seu depoimento, e os eventuais presos Bryan Hunt (Dwain Murphy) e Mia Lambert (Danica Curcic). Dali pra frente eles irão passar muitos aperreios juntos.

Da esquerda para a direita: Bryan, Mia, David e Adrian

Stphen King, o autor original, é considerado o pai da literatura de terror. Nunca li nenhuma obra do cara (o que é uma vergonha, eu sei, mas vou resolver isso), mas segundo as minhas pesquisas suas obras são certeiras em tratar de questões sociais, o que não falta na série (vamos falar sobre isso mais na frente). Em contrapartida, estão dizendo por aí que a produção está beeem distante do conto, e que de lá só pegou o nome mesmo, pois até os personagens são diferentes.

No fundo, a gente sabe que quando um filme/série é baseado em um livro não quer dizer que ele será igual, muito pelo contrário, mas nós amantes da literatura gostamos mesmo é quando essa fidelidade está presente, então perdoem-nos os entendidos da sétima arte.

Esse é um dos muitos pontos criticados pela galera que viu a série. Entre outros está a má atuação de muitos atores, os furos (também vamos falar deles), e a ausência de uns sustos de verdade. Essa parte eu não concordo, pois me assustei bastante sim.

Em 2007, um filme foi produzido também baseado no conto de King, e parece que esse sim era assustador e um pouco mais parecido com a obra original. Prometo que vou ler o conto e coloco aqui uma notinha de rodapé para dizer o que achei.

Vamos às minhas impressões sobre alguns pontos.

1. A fúria da natureza

A primeira coisa que a gente entende de O Nevoeiro é: a natureza está muito zangada com o que os seres humanos vêm fazendo com ela e resolveu tirar satisfações de um jeito bem macabro. Lá pro segundo capítulo a Sra. Nathalie Raven (Frances Conroy) resolve procurar na internet alguma explicação sobre algumas coisas que chamaram a sua atenção nos últimos dias, como uma infestação de sapos no seu jardim e a fuga dos animais nas montanhas. Ela descobre que naquela mesma cidade, no ano de 1800 e bolinha, houve algo parecido, chamado por eles de Primavera Negra. Ela teme que o mesmo esteja acontecendo novamente.

Ao saírem da da biblioteca ela e o marido já encontram o nevoeiro bem denso. Eles se perdem e um cara assustado, armado e bem alucinado aparece, atira no Sr. Benedict e depois em si mesmo. Apavorada, Nathalie corre para a Igreja.

2. Homofobia

Adrian é um adolescente gay (na verdade, não entendi muito bem se ele é gay ou bissexual), que convive constantemente com as retaliações do pai e dos colegas de escola. Durante a série ele conta os espancamentos que sofreu dentro e fora de casa. Porém, não ficou claro para mim se a homossexualidade de Adrian é uma condição natural sua ou uma forma de se defender e lidar com seus problemas psicológicos — revelados mais lá na frente, assim como a confissão da carência de amor do pai, a ausência de amigos (Alex era a única, segundo ele) e uma vida cheia de medo.

Por outro lado, toca na teoria de que os homofóbicos não são senão pessoas que descontam agressivamente em outras suas próprias insatisfações, sejam de cunho sexual ou não. Quando Adrian está preso no hospital confronta um de seus agressores de escola — também refugiado lá — no banheiro e como resposta recebe vários socos e pontapés. Em seguida a fúria dá lugar a um beijo e uma transa dos dois (?).

Em outra cena, também no hospital, os dois estão dividindo o mesmo quarto e o agressor pede perdão a Adrian por um espancamento na infância, confessando que ali estava descontando uma raiva injustificada. Adrian o perdoa, mas toda aquela mágoa que ele sente dos homens em geral, dos intolerantes e dos agressores em qualquer medida é o que vai acabar com sua sanidade mental.

3. Intolerância religiosa

Quando Nathalie chega à Igreja encontra o padre Romanov (Dan Butler) e alguns fiéis escondidos lá. Ali será o cenário para um forte debate de crenças. Nathalie, ainda muito abalada pela morte do seu companheiro de vida, conta um pouco da sua história de amor. Os dois eram hippies, viviam da natureza e de acordo com suas leis, sem buscar nenhum tipo de posse, contentando-se com o necessário para viver. Nathalie crê em outros deuses: o sol, as árvores, os animais. O padre Romanov e seu coroinha acham um absurdo que ela idolatre outras figuras que não o Deus cristão.

Nathalie Raven

Em um ataque de desespero Nathalie decide que não tem mais motivos para viver e vai se embrenhar no meio do nevoeiro. Um dos sobreviventes na igreja resolve impedi-la e, do lado de fora, é atacado por uma mariposa que entra no seu ouvido, percorre sua pele com muita violência, fazendo-o sentir uma dor dilacerante, e faz nascer asas de mariposa em suas costas, antes de matá-lo. Aqui é onde fica claro que a natureza está invadindo fisicamente os humanos como eles invadem há muito tempo seus membros: a fauna e a flora. Nathalie compreende que aquilo foi uma ordem para ela compartilhe suas ideologias e abra os olhos dos moradores para o que está acontecendo. Enquanto todos estão desesperados pelo que viram, Nathalie está aliviada.

Ela diz: “Eu não quero mais morrer, eu estou feliz. Eu vi deus”. O padre Romanov retruca “Aquilo não era Deus”, afirmando que na verdade era o demônio; e Nathalie responde “Eu não estou falando do seu Deus”.

A partir dali a senhorinha começa a difundir suas ideias pelo templo, cultuando os insetos que pousam nas janelas e dizendo para as pessoas que não existe apenas um único Deus, e que tampouco ele é o certo sobre tudo, principalmente sobre o universo.

Na igreja, o padre tenta a todo custo impedir que Nathalie mexa com a cabeça das pessoas, argumentando que lá fora está chegando o juízo final e todos devem se arrepender de seus pecados se quiserem salvar suas almas. Quando o coroinha Link (Dylan Authors) percebe que a tática do padre não está funcionando e os fiéis estão muito mais tendenciosos a acreditar e seguir o politeísmo de Nathalie, resolve apelar para a violência usando o argumento de que em outras épocas a Igreja torturava pessoas com um propósito plausível. No fim não dá certo e ele quem acaba sendo pego pelo nevoeiro, desencadeando mais um conflito no meio daquele grupo.

Discussão pra cá, discussão pra lá, a série toma sua posição em duas cenas.

a) após a morte de Link, Nathalie propõe um combate final com o padre: que os dois enfrentem o nevoeiro e vejam quem está mais protegido pelas suas crenças. Se o padre, certo de que Deus o poupará, ou a senhora hippie, crente de que a natureza deixará sua escolhida livre para cumprir sua missão. Os dois vão para o lado de fora da igreja, ele com suas vestimentas de mensageiro do evangelho, e ela nua, no estado natural, como veio ao mundo. O padre morre, flechado e arrastado pelo chão por uns cavaleiros negros que parecem anunciar o Apocalipse.

b) sem a presença do líder religioso Nathalie está livre para comandar o grupo como quiser e começa convencendo o delegado Connor a fazer um sacrifício para que o nevoeiro vá embora (explico no próximo tópico). Prontos para sair da igreja, nem todos do grupo aceitam ir. Dizem que lá é mais seguro, mas no fundo confiam mais na proteção do seu Deus no que nos deuses de Nathalie. Ela diz que entende, mas antes de embora e sem que eles vejam, trava a porta da igreja por fora (com uma cruz, simbolizando que o cristianismo aprisiona), joga álcool e risca um fósforo.

Minha opinião de cristã?
O livre arbítrio existe para que cada um escolha o seu caminho espiritual, mas atear fogo na igreja foi tão intolerante quanto impedir que Nathalie pregasse o politeísmo para as pessoas que estavam ali. O padre agiu cruelmente quando autorizou Link a torturá-la, mas fez seu papel quando tentou salvar a alma de seus fiéis ao acreditar que havia chegado o dia do juízo final.

4. Violência sexual

A primeira Primavera Negra ocorreu porque uma moça da cidade fora estuprada e voltou a acontecer quando Alex sofreu o mesmo tipo de abuso. Segundo o conhecimento de Nathalie, quando as pessoas interferem no curso natural das coisas a natureza se enfurece. E isso acontece com qualquer tipo de crime, não só agressões sexuais, mas na série esse é o estopim para o nevoeiro. Por isso Connor é convencido a entregar seu filho Jay ao relento, pois, segundo Nathalie, assim que o responsável pelo desequilíbrio for morto tudo voltará ao normal.

Alex e a mãe, Eve

A mulher é a responsável por dar vida, por ser a mãe, assim como a natureza é considerada dentro do ecossistema. Se uma mulher é agredida, a natureza se sente agredida, então o nevoeiro vem como um defensor, um justiceiro dos crimes contra elas. Aproveitando, é claro, para abater outros criminosos e aqueles que se acham julgadores legítimos.

5. O pior de cada um

A vingança no nevoeiro acontece em cima de todas aqueles que de alguma forma contribuíram para o desequilíbrio do planeta, seja fazendo o mal para o outro ou sendo egoísta. Isso se confirma na morte da mãe de Link, fora do shopping, logo depois que ela xinga a mãe de Alex pelos seus feitos no passado; pelo irmão de David, que sempre foi um cretino com as mulheres; e até pela morte do padre, por ter sido cruel com a outra porque não compartilhava das mesmas crenças que ele. E pela morte de todos os anônimos que aparecem estirados no chão, pois ninguém é totalmente bom, todo mundo já fez algo que se envergonha ou se arrepende. Porém, essa teoria deixou alguns buracos.

As perguntas que ficaram

Quando algumas cenas ficam sem respostas a gente pensa logo “eita, vai ter 2ª temporada” — e tomara que tenha mesmo — , mas não quer dizer necessariamente que todas serão respondidas. Algumas podem ser falhas de roteiro ou então o estagiário editou errado o episódio né. Vou deixar as minhas aqui e vocês podem escrever as respostas, caso saibam, ou deixar suas teorias. Eu amo teorias de séries.

a) Se o nevoeiro só pegava gente ruim porque levou uma criança que não fazia mal pra ninguém?

b) Por que ele assumiu uma forma humanóide e não matou a Alex quando teve a primeira oportunidade?

c) Quem são aqueles que agem em nome do nevoeiro? (como os cavaleiros que matam o padre, por exemplo)

d) O que tem a ver os militares na história? (eles aparecem pouco, mas deixam MUITAS perguntas no ar)

e) Benedict morreu mesmo?

f) O que era aquele bebê no final do último episódio?

g) Se Jay não era o culpado pelo estupro, por que mesmo assim o nevoeiro se apossou dele?

h) Por que o pessoal do shopping insiste em dizer que a comida está acabando se lá dentro tem um SUPERMERCADO?

i) O que significam as alucinações de David lutando com ele mesmo?

Essas foram algumas dúvidas que ficaram na minha cabeça e em uma avaliação final queria dizer que gostei bastante e a série realmente me prendeu do começo ao fim, tanto que maratonei e vi todos os episódios em dois dias. A última vez que isso aconteceu foi com a primeira temporada de Stranger Things. Deixem seus comentários aí embaixo sobre O Nevoeiro e se acharam ruim comentem lá na página de pessoas que acharam ruim, ok?(Brincadeira)

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Sabryna Rosa

Leio alguns livros e escrevo outros. Autora de Cafés Amargos e Exposição de Luxo. Conheça: www.sabrynarosa.com